Xangai alcança melhora na qualidade de vida a partir de fontes de energia limpa e transporte elétrico
- Felipe Scofield
- 16 de jun.
- 6 min de leitura

Quando um morador de Xangai respirar fundo, sem o risco de prejudicar seu sistema cardiorrespiratório, a China poderá dizer que conseguiu dar um passo fundamental na direção da energia limpa, contribuindo para a redução do aquecimento global. Com 25 milhões de habitantes, Xangai é uma das cidades que mais avançou na redução de emissões de CO2. Entretanto, ainda se mantém com uma das piores qualidade do ar do país, principalmente em função da dependência de fontes sujas de energia, como usinas alimentadas por carvão.
De acordo com o Climate TRACE, em 2024, elas foram responsáveis por 38,16% das emissões de gases de efeito estufa. Cerca de 116.45 milhões de toneladas de CO2 e gases equivalentes foram despejados por usinas de energia na atmosfera. Como estratégia, Xangai direciona o foco para a transição da matriz energética para fontes de energia limpa e a eletrificação do transporte.
O professor de estudos e mudanças ambientais no meio urbano da Universidade de Nova York de Xangai, Kangning Huang, afirma que “a qualidade do ar da cidade é muito inferior comparada aos Estados Unidos e à Europa. O impacto à saúde local é um grande incentivo para investimentos em sustentabilidade.”
Desde 2014, o ar de Xangai atinge níveis moderados de poluição na métrica do Air Quality Index (AQi), abaixo de 100. Ainda muito alto comparado ao nível de cidades como Londres que passaram por um grande processo de poluição do ar causados por queima de carvão, que nos dias atuais atinge em média 30 no AQi. O índice varia de 0 a 500, sendo 500 extremamente perigoso à saúde. O motivo da baixa qualidade do ar é proveniente da abundância de carvão no território chinês. No início do processo de industrialização, o país optou por ter como principal fonte de energia usinas de carvão. Em 2011 Xangai ultrapassava níveis de poluição acima de 500 no AQi.
O pneumologista e ex-professor de medicina da UERJ, Arnaldo Noronha, alerta para o perigo à saúde, principalmente para crianças e idosos. “Os danos causados pela poluição a longo prazo são semelhantes aos do cigarro e podem durar o resto da vida”. Ele reforça sobre o risco de enfraquecimento do sistema imunológico, aumento da chance do desenvolvimento de doenças como câncer e diabetes e a proliferação de vírus e bactérias.
Neste processo de transição energética, o governo chinês investiu na construção da Hidrelétrica das Três Gargantas, a maior do mundo desde 2012, e planeja uma ainda maior no Tibete. Além disso, construiu grandes fazendas de paineis solares e parques eólicos. Um dos novos objetivos é lançar na órbita terrestre uma estação espacial para a captação de energia solar capaz de gerar tanto quanto a maior hidrelétrica do mundo. Ela será dez vezes mais eficiente do que os paineis solares da Terra por gerarem energia ao longo de todo o dia.
“A China está em um intenso processo de desenvolvimento e pesquisa para baratear e aprimorar baterias para armazenamento de energia. Caso ela atinja seus objetivos antes dos Estados Unidos e os países europeus, ela pode virar a Arábia Saudita do futuro", diz o professor da NYU em Xangai. Ele também reforça que o domínio tecnológico de energia limpa é um passo fundamental para o crescimento da China no cenário geopolítico.
O ex vice-presidente do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), Luiz Heckmaier, acredita na facilidade e no potencial da instalação de paineis solares no ambiente urbano como uma grande fonte de energia, apesar do custo de implementação e o trabalho de armazenamento. “Parte da dificuldade é o engajamento da população. Essencialmente não é financeiramente complexo. No início é difícil, mas a longo prazo é muito recompensador e vale a pena.”
Luiz também dá relevância a outros métodos de diminuição no uso de energia e melhoria no ambiente urbano. “A arborização para a redução da temperatura, a transformação do meio urbano em cidades esponjas, a lavagem de rua com água de reuso, a escolha de materiais sustentáveis, a maior eficiência do transporte e melhor controle do lixo são formas de tornar a cidade mais eficiente e sustentável.” Dentre estas medidas, Xangai já construiu áreas arborizadas, como o Shanghai World Expo Cultural Park, parques para absorção de chuvas e fez melhorias no sistema de transporte público.
A China se destaca no desenvolvimento e pesquisa no setor de energias sustentáveis e de transporte elétrico justamente pela urgência na redução da poluição. Os investimentos para estas tecnologias agravam o custo na energia, o que desestimula países menos poluídos a financiar pesquisas neste setor. Graças ao apoio da população nestas medidas, a China opta pelo sacrifício do poder aquisitivo do povo em prol do barateamento e aprimoramento destas tecnologias.
Huang afirma que o avanço econômico chinês nos próximos anos deve-se ao fato de que países ricos não estão investindo no setor de energia limpa, permitindo que haja uma hegemonia no setor energético.
“Os investimentos em tecnologia voltada para a redução da poluição não são tão atraentes para países pouco poluídos. O aumento no custo de energia causa uma reação negativa na população em relação aos governos que apoiam este tipo de desenvolvimento.”
Eletrificação do transporte
Parte do sucesso que a China obteve vem do aumento na frota de veículos elétricos. O cônsul alemão de Xangai, Norbert Riedel, afirma que devido às políticas de barateamento dos carros elétricos (EVs) e o aumento da infraestrutura de carregamento elétrico, a proporção de EVs registrados anualmente na cidade está gradualmente chegando aos 60%.
Nas últimas duas décadas, a China dedicou R$1,5 trilhão para o crescimento de montadoras de carros elétricos. Apesar de parecer algo positivo, das mais de 200 empresas beneficiadas por esse financiamento, apenas a BYD conseguiu realmente se estabelecer no mercado. Grande parte do dinheiro foi direcionado para investimentos que não deram certo.
Em todo mundo, a única outra empresa de carros exclusivamente elétricos que lucra é a Tesla. Como estratégia para aquisição de conhecimento, em 2019 a China permitiu que fábricas da empresa de Elon Musk se estabelecessem em Xangai para que assim, modelos de produção pudessem ser replicados em outras empresas.
Como meta, a China busca atingir o carbono neutro em 2060, dez anos mais tarde do que o prometido no Acordo de Paris. Huang diz que a única solução para cumprir a meta estabelecida em 2015 é aumentar os investimentos em energia renovável, estimular pesquisas que possibilitem o barateamento tecnológico e desenvolver baterias com maior densidade de armazenamento energético. A expectativa é que a densidade energética das baterias possa ser 80% maior a cada 10 anos, assim como foi nas últimas duas décadas.
Este ano, a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30) ocorre em Belém, no Pará, e reúne líderes mundiais para debater as questões climáticas do mundo. O principal embate desta edição é oriundo da ascensão de líderes contra o movimento sustentável. Huang especula que a reeleição de Trump e a queda dos partidos ambientalistas europeus vão ser grandes obstáculos nas negociações globais.
O crescimento do movimento Greenlash, é um grande problema para a política ambiental, que pode definir o rumo da COP30. Ele surgiu na Europa para criticar decisões sustentáveis com a narrativa de que a Guerra na Ucrânia - somada aos investimentos em energia limpa - estariam aumentando muito o custo da energia. Ele é fortemente atrelado aos produtores agrários, mas ganhou proporções no meio urbano desde 2023.
A China se torna um peça de destaque no tabuleiro político a partir do momento em que ela perde o mercado de tecnologia verde nos EUA e na Europa e decide se relacionar com países do sul global, como o Brasil, África do Sul, Austrália e Argentina. A proposta é acelerar o desenvolvimento destes países com a mira no estímulo à pesquisa e implementação de tecnologia sustentável para a geração de energia e redução de emissão de carbono. O Brasil é o principal país chave nos próximos passos para atingir um futuro sustentável.
Movimentações já foram feitas, visto que o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, e o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, se encontraram com o prefeito de Xangai no final de abril para estabelecer relações e acordos voltados ao meio ambiente. Também foi realizado o “Summit Valor Econômico Brazil-China” no qual o principal economista brasileiro especializado na China e professor da UERJ, Elias Jabbour, representou o Rio de Janeiro no painel de abertura do evento.
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