Fast Fashion: o barato que custa caro
- Ana Luiza Tavares
- 19 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de jun.

Por trás do preço acessível e da constante renovação das vitrines, a produção de fast fashion contribui para a degradação ambiental, violações de direitos humanos e um ciclo de consumo desenfreado. As peças, que tem pouca durabilidade e alto nível de descarte por conta do uso de microplásticos na composição, fazem com que este sistema seja um dos mais poluentes do mundo. A indústria da moda, especialmente a fast fashion, vive um dilema entre o lucro e a responsabilidade socioambiental.
“O modelo de fast fashion se mantém forte porque é sustentado por preços baixos, publicidade massiva e uma cadeia produtiva invisível e exploratória. Para muitas pessoas, a roupa barata é a única opção acessível, que mostra que o problema também é estrutural”, diz Ana Fernanda, Coordenadora do Comitê Racial do Fashion Revolution Brasil.
O perigo do fast fashion está no uso de poliéster, poliamida, acrílico e nylon na produção das peças das roupas. As fibras sintéticas liberam microplásticos que, muito pequenos, não são filtrados por máquinas de lavar e nem por estações de tratamento e acabam indo parar no meio ambiente, principalmente nos oceanos.
“Vivemos uma epidemia de microplásticos”, alerta Marina Ribeiro, produtora do Fashion Revolution Brasil. “Eles já foram detectados em todos os pontos do planeta. A moda sintética integra uma economia baseada no petróleo, que precisa ser superada para que possamos manter a vida na Terra.”
Embora a afirmação de que a moda seja a segunda indústria mais poluente do mundo seja errônea, os impactos ambientais da cadeia têxtil são inegáveis. O setor é responsável por até 8% das emissões globais de gases de efeito estufa, gera 92 milhões de toneladas de resíduos por ano e consome cerca de 215 bilhões de litros de água, segundo dados da ONU e da Fundação Ellen MacArthur.
O CONSUMO E AS TENDÊNCIAS
A lógica do fast fashion, intensificada pelas redes sociais, baseia-se em ciclos de produção extremamente curtos, que lançam novas coleções semanalmente, que é o caso da gigante chinesa Shein. Cria- se então, um estímulo constante ao consumo impulsivo, e transforma roupas em itens descartáveis - e de pouca durabilidade.
Ao citar o filósofo Gilles Lipovetsky, a professora e pesquisadora da PUC-Rio Maria Eloisa Conceição, diz que a lógica dessa indústria é filha do capitalismo.
“A moda está diretamente associada ao consumo acelerado, à renovação constante e ao individualismo. Essa ideia sustenta práticas como a obsolescência programada e está profundamente enraizada na produção industrial em diversas esferas. Mas também possui uma capacidade singular de inspirar comportamentos e transformar culturas. A chave está em como utilizamos esse potencial.”
Como consumidora e entusiasta de moda, a estudante de jornalismo, Mariana do Patrocínio reforça a ideia de que a moda muitas vezes é usada como momentânea e reforça a força de consumir com consciência.
“Peças não são descartáveis, e foi a indústria do fast fashion que nos fez pensar o oposto. Por isso, acho que consumir em brechós, além de trazer de volta antigas tendências, dá continuidade a história de uma roupa que não faz mais sentido no guarda roupa de alguém, mas pode se encaixar para outra pessoa.”, comenta a estudante.
Segundo o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas, no Brasil, somente 20% das 170 mil roupas produzidas no ano são recicladas e reaproveitadas. Em um cenário global, mais de 20 milhões de toneladas de têxteis são desperdiçados anualmente na China. Apesar de pressões crescentes por parte de consumidores e movimentos internacionais como ONG ́s, as mudanças no setor da moda ainda caminham em ritmo desigual.
“A indústria têxtil chinesa tem avançado significativamente em direção à sustentabilidade nos últimos anos, impulsionada por políticas públicas, inovações tecnológicas e mudanças no comportamento dos consumidores. Apesar desses progressos, desafios importantes persistem. Um exemplo é o modelo da Shein, gigante da moda ultrarrápida, que comercializa milhares de itens a preços baixos, produzidos majoritariamente com fibras sintéticas. Essa lógica estimula o consumo acelerado e o descarte precoce das peças, seja pela baixa durabilidade” afirma Maria Eloisa Conceição.
A sustentabilidade existe mesmo?
Algumas marcas têm adotado medidas como rastreabilidade da cadeia produtiva, metas públicas de redução de emissões e inovações em materiais de menor impacto ambiental. No entanto, como aponta Marina Ribeiro, coordenadora do Comitê Racial do Fashion Revolution Brasil, muitos desses avanços são isolados e ainda insuficientes diante da urgência climática.
"O greenwashing é um dos maiores desafios: marcas investem em narrativas sustentáveis sem que isso se reflita em mudanças reais", alerta Marina.
Para ela, o próprio modelo de negócios da indústria, centrado no crescimento acelerado e na lógica do lucro rápido, está em desacordo com os princípios da sustentabilidade. "Ainda faltam regulamentações mais rígidas, incentivos concretos a práticas éticas e, principalmente, uma transformação cultural que valorize qualidade, durabilidade e justiça social", afirma.
Mariana Letizio, estudante de comunicação, diz que não costuma pensar nas questões socioambientais e conta que falta iniciativa das marcas de moda para divulgar as ações sustentáveis. “Com certeza despertariam minha curiosidade. Só das marcas buscarem iniciativas sustentáveis para a produção das roupas, já é um começo. E isso me faria buscar mais sobre a marca e até mesmo consumir seus produtos”.
Para Ana Fernanda, o consumidor é peça chave para iniciar a mudança. É ele que pode colaborar com uma moda mais justa ao reduzir o consumo, fazer escolhas mais conscientes, reutilizar peças e apoiar movimentos sociais e campanhas de conscientização. Além de diminuir ou parar de consumir produtos da indústria de fast fashion. Mais do que aparência, a moda reflete valores e atitudes: trata-se não apenas do que vestimos, mas também de como escolhemos viver.
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