Inversão térmica intensifica doenças respiratórias em Los Angeles e preocupa autoridades
- Natalia Martins
- 3 de jun.
- 7 min de leitura
Atualizado: 4 de jun.

O aumento dos casos de doenças respiratórias tem preocupado as autoridades de saúde e a situação se agrava em cidades como Los Angeles, onde o fenômeno da inversão térmica no inverno, por exemplo, intensifica a exposição da população à poluição. Com os poluentes aprisionados na atmosfera devido ao regime de ventos, sintomas como coceira nos olhos, crises alérgicas e falta de ar se tornam mais comuns, comprovando a urgência da crise climática que estamos vivendo.
A questão climática vem sendo destaque desde a década de 1980, quando virou prioridade internacional, desde então existe por toda parte uma infinita corrida contra o tempo e um desespero constante para solucionar um problema maior que todos nós.
O dióxido de carbono é o principal gás do efeito estufa e é responsável por 75% do aquecimento global, sendo emitido essencialmente através de atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis para gerar energia para industrias e meios de transporte. O CO2 intensifica o efeito estufa natural, retendo o calor na atmosfera da terra, sendo incrivelmente prejudicial aos seres humanos e ecossistema terrestres.
Especialistas ao redor do mundo criaram diversas ferramentas para controlar e acompanhar de perto as emissões de cada cidade. O site Global Gridded Model of Carbon Footprints (GGMCF) é um modelo que fornece uma estimativa detalhada de “carbon footprints ” (pegadas de carbono) e segundo ele, Los Angeles é a quinta cidade que mais emite carbono no mundo, e que mesmo com uma redução de 30% desde 1990, ainda emitiu quase 30 milhões de toneladas métricas em 2021.
Os dados e pesquisas divulgados imediatamente nos remetem ao futuro do planeta, mas nem sempre mencionam as consequências que a cidade de Los Angeles já sofre. Derretimento das geleiras e das calotas polares e o aumento do nível do mar são apenas uma pequena parte das múltiplas complicações que já estão acontecendo, como por exemplo a poluição extrema que vem consumindo os grandes centros urbanos.
92,7% dos domicílios possuem carros
Responsável por 40% das emissões de C02 em Los Angeles, os carros estão extremamente presentes no dia a dia de seus moradores, sendo registrados, apenas no condado, mais de 6.229.731 automóveis e estima-se que apenas 7,3% dos domicílios não possuem veículo. Faz parte da cultura dos Angelinos ter o carro como meio principal de transporte, especialmente por conta da distância entre os lugares “Aqui se você quer sair do seu bairro você não consegue andar sem ser numa rodovia gigante, assim é bem difícil de conseguir andar com tranquilidade, sabe”, Daniel Lemme, estudante brasileiro de economia e psicologia
em Westwood afirma que os locais não gostam dos transportes públicos, o que explica o excesso de carros nas ruas “ O pessoal aqui não gosta porque tem muito risco à segurança e também é um pouco fedido e não tem a melhor manutenção e é um além de ser desorganizado ”.
Os gases liberados pelos carros são completamente tóxicos para o ser humano e contribuem diretamente para o aumento da poluição do ar, o que gera perdas de bem-estar estimadas em US$ 5,11 trilhões anualmente, segundo o El Pais, enquanto o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) avalia que o custo anual global da emissão de poluentes atmosféricos seja de aproximadamente US$ 8,1 trilhões, o que representa cerca de 6,1% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.
“A poluição destrói a mucosa do nariz “
Além de estragos na economia, a poluição também causa males à saúde de quem fica em contato com ela. Segundo o estudante de medicina, Gabriel Freitas, quanto mais exposição à poluição, mais vulnerável à doenças você fica “Na cavidade nasal, você tem as vibrissas, que são os pelinhos que filtram o ar e quando você é exposto a poluição muito forte, ela destrói esses pelinhos, além de destruir a mucosa do nariz, prejudicando a filtração do ar, trazendo mais bactérias para dentro do seu corpo e micro-organismos que não são interessantes para o ser humano”.
Os casos de doenças respiratórias crescem a cada ano e de acordo com André Silva, especialista em regulação da ANVISA, esses aumento é pior em Los Angeles “Lá existe o fenômeno da inversão térmica no inverno, então os poluentes ficam, ”aprisionados” por mais tempo na cidade devido ao regime de ventos, então as pessoas ficam expostas aos poluentes que não são diluídos, então você tem uma nítida associação do aumento de doenças respiratórias no inverno. Muitas vezes as pessoas acham que é o frio que está causando tanta doença, na verdade, às vezes o frio não é o problema, o problema é a inversão térmica e aí aqueles poluentes não conseguem ser diluídos na atmosfera”. Os sintomas podem ser muitos
variados, como olhos coçando, crises alérgicas e até mesmo falta de ar: “Quando eu estou falando de poluição, ela vai causar sintomas diferentes em pessoas diferentes, em níveis diferentes e nem sempre isso é fácil de você estabelecer uma correlação, pelo menos à primeira vista”.
PIB global: 34% de perda
Ao pensar em mudanças climáticas, os custos que podem ser gerados com os grandes desastres não são a primeira coisa que vem à mente, mas eles existem. Um relatório do Boston Consulting Group (BCG) e da Universidade de Cambridge revelou uma estimativa em que a inação climática pode levar a perdas de até 34% no PIB global até o final do século. Essas tragédias afetam a infraestrutura e causam danos materiais às cidades. Em Los Angeles, quase 27% dos edifícios estão em área de risco de inundação e 23% em área
de risco de incêndios florestais e danos à essas propriedades e custos de combate ao fogo nos incêndios de 2018, por exemplo resultaram em US$ 26,3 bilhões.
Os desastres naturais também causam riscos prejudiciais à saúde, e André comenta sobre as possíveis enfermidades que possam surgir “Você vai ter doenças respiratórias em locais que você tiver mais seca, doenças de transmissão hídrica nos lugares que tiverem enchentes, como a leptospirose, por exemplo, e só que você também vai ter o aumento de de exposição à determinados tipos de poluentes, seja pela enchente que carrega esses poluentes, seja por um ar mais seco e como a inversão térmica que não dilua poluentes no ar”. Ele traz também um fato muito interessante e de pouco conhecimento público: “O surgimento de doenças em locais que ela anteriormente não aparecia, por exemplo, o sul da Itália, corre o risco de começar a ter casos de malária, a febre amarela, porque os mosquitos até então não conseguiam sobreviver em temperaturas mais frias, mas conforme você vai aquecendo essas regiões, os mosquitos começam a colonizar essas áreas, então você vai ter o surgimento de doenças transmissíveis por insetos em locais que nunca foram vistos anteriormente” o que significa que doenças já existentes vão afetar pessoas que ainda não desenvolveram anticorpos para essas doenças, colocando-as em grande risco de vida e causando alterações aos ecossistemas.
Foram evacuadas 180 mil pessoas
No início de 2025, Los Angeles voltou a ocupar as manchetes de jornal por causa dos incêndios que tomaram conta das florestas, invadindo áreas da cidade, como Malibu, que já havia sido afetada em dezembro de 2024. Cerca de 180 mil pessoas foram evacuadas “As minhas aulas foram canceladas, creio que por sete dias ou dez dias, e foi tudo mandado online. Muita gente evacuou, muita gente mesmo, porque o fogo dava pra ver muito de perto, o pessoal já estava usando máscara na faculdade aqui” Daniel relembra um pouco sobre os incêndios que presenciou “Eu cheguei e já tive que evacuar pro sul, pra casa de uma amiga, porque o fogo estava, literalmente, na rodovia que têm aqui a 405, estava do outro lado, se
passasse dessa rodovia chegava aqui na faculdade, nem sei o que aconteceria”. Gabriel Freitas, fala sobre as possíveis complicações da exposição aos incêndios “Podem causar doenças cardíacas e respiratórias e distúrbios em outros órgãos, e como consequência desses problemas respiratórios, pode surgir por exemplo uma insuficiência cardíaca”.
Por conta dos incêndios principalmente, é importante mencionar o impacto que essas mudanças climáticas tem na saúde mental das pessoas. Em um mundo tão frenético e pessimista, as pessoas tem mais acesso à informações e mais acesso às consequências reais, gerando problemas que vão além da saúde do corpo, atingido o psicológico das pessoas afetadas por essa crise “Você vai ter também problemas ligados à saúde mental, porque o número de desastres tem aumentado significativamente e vai aumentar cada vez mais. Perder uma casa, ter a sua cidade destruída, a sua rua destruída, seus parentes mortos, isso causa um dano psicológico que é até difícil de medir, mas que é real e palpável”, diz André.
A cada dia que se passa as consequências vindas das mudanças climáticas se tornam mais reais e as soluções para adiar um destino inevitável estão nas mãos dos grandes negócios e líderes de países, porque segundo André, ultrapassa as ações diárias de todos nós “As pessoas precisam entender que não adianta economizar água no chuveiro se, por exemplo, o agronegócio desperdiça milhares e milhares de litros de água ou utiliza milhares e milhares de litros de água em uma cultura que vai servir de ração para um animal em outro país, e até que ponto o país está disposto a isso e até que ponto a gente vai poder fazer isso num futuro próximo em que a incerteza climática e talvez o acesso aos reservatórios de água estejam
prejudicados? Essa é uma discussão que tem que existir”.
André refusa a afirmativa “Burra do século 19 ” de que meio ambiente e economia não caminham juntos “Um planeta destruído por catástrofes climáticas não vai gerar nada na economia. Todo local que tem um desastre climático, a economia é destroçada. Então é até uma bobagem. Se você olhar hoje as economias que mais crescem no mundo, são as que mais investem em tecnologias limpas, como por exemplo a Alemanha, a China tem investido pesadamente em alternativas ambientalmente aceitáveis. É por que eles são bons? Não, porque eles entenderam que simplesmente não existe futuro se a gente continuar agindo
da maneira que a gente age”.
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