Despoluição do Rio Sena para os Jogos Olímpicos fracassa e não passa de um espetáculo político
- Patrícia Bueno
- 30 de mai.
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Atualizado: 2 de jun.

O Rio Sena segue poluído após dez meses da meta original de despoluição para o início dos Jogos Olímpicos de 2024 e, devido a falta de esforços, ainda não há previsão de quando a meta será concluída. De acordo com o especialista em poluição aquática e chefe de projetos da Ministère de la Mer, Guillaume Theriot, a medida de despoluição do Sena se tornou apenas um espetáculo político, que desconsiderou o bem-estar daqueles que foram obrigados a mergulhar ali. “Foi totalmente desumano o que os atletas tiveram que se submeter, já que a saúde e a segurança deles deveriam estar acima de qualquer medalha”, completou. No total, foram gastos aproximadamente 1,4 bilhões de euros para a ação de despoluição do ponto turístico francês, que não recebia banhistas desde 1923. Parisienses ficaram decepcionados com a quantidade de dinheiro público gasto para algo que não obteve total sucesso e que, para eles, não passou de uma performance do governo.
Nove dias antes do início dos Jogos, a prefeita da cidade Anne Hidalgo e a ministra francesa dos esportes Amelie Oudéa-Castéra mergulharam no Rio Sena, em uma tentativa de provar que ele estava despoluído e que as competições poderiam ocorrer tranquilamente. Porém, depois dos treinos de familiarização, atletas relataram mal-estar e, após resultado decepcionante dos testes de qualidade da água, cinco horas antes do início previsto da competição, a primeira prova de triatlo individual masculino foi adiada. O objetivo final era que, com o fim das Olimpíadas, cidadãos pudessem desfrutar das águas do Sena, com a implementação de um projeto de piscinas públicas, mas, desde a cerimônia de encerramento em agosto de 2024, não há relatos de banhistas, nem previsão para a despoluição completa.
Os Jogos Olímpicos de 2024 foram os mais sustentáveis em décadas, com o menor número de emissões de gás carbônico, desde que a crise climática e o aquecimento global se tornaram relevantes e preocupantes. Dentre medidas como a utilização de estruturas já existentes ou desmontáveis para provas, criação de novas ciclovias e uso de materiais sustentáveis para produção de medalhas e pódios, a iniciativa de despoluir o Sena se destaca como um grande fracasso. Os investimentos foram completamente ineficazes e ficou claro que, para o governo francês, importava apenas a aparência de que as águas não estavam poluídas, já que na prática não era realidade. O caso da triatleta belga Claire Michael foi o mais preocupante entre os atletas que se sentiram mal após os treinos de familiarização. O Comitê Olímpico da Bélgica divulgou que Claire havia sido contaminada pelas bactérias presentes na água do rio e teve que ser hospitalizada com problemas intestinais. Isso desencadeou na desistência da equipe belga, que deixou de competir na modalidade mista do triatlo.
Djenyfer Arnold, Vittoria Lopes, Miguel Hidalgo e Manoel Messias foram os representantes brasileiros do triatlo, e, na maratona aquática, representaram o país Ana Marcela Cunha, Viviane Jungblut e, o estreante na modalidade, Guilherme Costa, que abandonou a prova devido a forte correnteza do Sena. A triatleta Djenyfer Arnold afirmou, em entrevista para Marie Claire, que a participação dela nas Olimpíadas de Paris foi o maior desafio da carreira, pela correnteza e qualidade duvidosa da água do local da prova. “Nós, atletas que nadamos lá, fizemos parte da história de Paris. Fomos as primeiras pessoas a nadar no Sena depois de um século sem ninguém entrar naquela água. Acredito que não vão ter condições de manter a água limpa, já que estávamos até na dúvida se iríamos poder nadar ou não no dia da prova. Até hoje não tenho certeza se nadei em uma água boa”.
A despoluição completa do ponto turístico francês é um desafio muito grande devido a quantidade de chuvas que caem na cidade e levam dejetos para o rio, porém, Guillaume Thieriot disse não ser algo impossível de acontecer. “O problema dessa promessa de um Rio Sena despoluído foi que, em vez de aceitar o fracasso, o governo insistiu que seria possível completar a meta e desconsiderou o bem-estar dos atletas. Uma ação dessa grandeza pode até ser concluída no futuro, mas deve ser feita com muito planejamento e muita paciência, já que é um rio urbano e vários fatores externos influenciam na qualidade da água”.
A prefeitura de Paris faz parte do C40 Cities, uma iniciativa global para enfrentar a crise climática e o aquecimento global. A cidade tem sido um exemplo no quesito redução de emissões de gases estufa e as Olimpíadas deixaram isso bem claro. É decepcionante, porém, que a poluição do Rio Sena, apesar de interferir apenas indiretamente para o aquecimento global, não tenha sido bem sucedida. Gabriella Pereira é brasileira, moradora de Paris há 10 anos e, apesar de estar satisfeita com os avanços na cidade, expressou tristeza por não observar nenhum andamento na situação do rio após os Jogos Olímpicos. “É complicada a questão do Sena, porque, mesmo sem ter nenhum interesse em um dia nadar naquelas águas, não queria que ficassem poluídas para sempre e, desde o fim das competições, não vi nenhuma movimentação para finalizar o que foi prometido. Mas são nítidas as melhorias na cidade que vieram com Paris 2024 e acho realmente que vamos servir de exemplo de sustentabilidade para as próximas sedes dos Jogos”.
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